O saudosismo da ditadura nos dias atuais

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Memória é uma das áreas de estudo que mobiliza grande parte da produção historiográfica atual. Ao estudá-la, o historiador não foca necessariamente sua análise a respeito dos acontecimentos em si, mas sim na receptividade da sociedade e como encaramos certo período histórico; que sensações, lembranças e heranças nos deixou aquele momento. Com isso, hoje iremos nos propor a analisar o porquê de alguns setores da sociedade brasileira sentirem saudades da experiência da ditadura civil-militar.

Como visto, Memória não necessariamente corresponde à História. Logo, o primeiro aspecto que vale ser ressaltado diz respeito ao negacionismo de parte de setores que foram beneficiados durante o período ditatorial. Esse processo representa a atitude de negar as evidências históricas de torturas, assassinatos, terrorismo de Estado e outras violências oficiais por parte dos governos ditatoriais para continuar defendendo o próprio ponto, como se fosse uma questão opinativa. Pode-se até discutir fontes históricas, porém nunca negá-las.

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O segundo aspecto que vale a pena a ser ressaltado diz respeito à própria estratégia política de todo regime autoritário, de vedar a população do conhecimento a respeito do que realmente se passava no país à época. O discurso de que na ditadura não havia corrupção ou que tudo era mais seguro é resultado de uma política de censura que blindava a sociedade de ficar sabendo dos crimes de Estado cometidos. Havia corrupção, só não poderia ser explicitada em jornais.

Ademais, um fenômeno histórico que contribui historicamente para a sobrevida desse saudosismo infundado até os dias atuais é o próprio processo de redemocratização e fim da ditadura no Brasil. Arrisque-se hoje em dia de ir à Argentina e explicitar publicamente que sente saudades da ditadura de lá. Provavelmente a repreensão da sociedade civil será bem maior do que no Brasil. Isso porque a ditadura argentina teve fim com um processo de ruptura drástico. Os militares saíram do poder na Argentina após um vexame em uma guerra. Houve um fim drástico e pontual do regime.

No Brasil, o processo foi diferente. A redemocratização brasileira foi fruto de um processo de negociação da ditadura com setores de oposição. Os militares abriram para a democracia após garantir que todo e qualquer risco de políticas revanchistas ou de perseguição a eles fossem evitadas. A abertura “lenta, gradual e segura” serviu para vender a redemocratização como uma concessão por parte da ditadura.

Além disso, a própria Lei da Anistia (1979) transmitia a ideia de que o perdão mútuo entre opositores e militares seria a via mais benéfica para aquela conciliação democrática. Com o objetivo de garantir a segurança da transição para os militares, essa lei ancorou-se em um imaginário de perdão cristão na sociedade brasileira, que só foi ser revisada com a criação da Comissão Nacional da Verdade em 2011, que tinha como objetivo responsabilizar historicamente aqueles que cometeram crimes de Estado durante a ditadura.

Não apenas com a ditadura, mas o Brasil não consegue de fato fazer as pazes com seu passado. Discursos negacionistas a respeito da escravidão, inclusive, ainda são observados hoje em dia. Nesse sentido, o papel da História reforça cada vez mais o objetivo de nos lembrar daquilo que não podemos esquecer, para então podermos atuar ativamente em nossa realidade.

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