Desigualdade Racial nas Redes Sociais – pt 2

Além desses casos de racismos nas redes sociais, recentemente, alguns trechos da obra de Monteiro Lobato, em particular relativos à personagem Tia Nastácia, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, têm sido alvo de polêmicas. Algumas colocações da personagem Emília têm sido consideradas racistas e os textos do escritor passaram a ser criticados.

O caso começou em 2010, quando o professor Antônio Gomes, técnico em gestão educacional da Secretaria do Estado da Educação do Distrito Federal, denunciou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a existência de trechos racistas na obra Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. O livro era referência da rede particular de ensino do DF e integrou o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), em 1998 e em 2003.

O Conselho recomendou, inicialmente, por meio do parecer nº 15/2010, que a distribuição do livro pelo governo fosse suspensa. Além disso, o órgão aconselhou o acréscimo ao livro de uma nota alertando sobre o conteúdo e orientou que as escolas utilizassem o livro apenas se o professor tivesse capacitado para tratar de racismo com os alunos.

Foi exigindo estes mesmos critérios que o prof. Antônio entrou na Justiça contra a distribuição da obra Caçadas de Pedrinho. O professor exigiu que o livro não fosse distribuído e financiado pelo governo, muito menos utilizado nas escolas, sem a nota esclarecedora e sem professores com capacitação em educação étnico-racial.

DIÁLOGOS ENTRE OBRAS

Monteiro Lobato (1882-1948) é conhecido como autor de livros infanto-juvenis, sobretudo aqueles que contam as aventuras dos moradores do Sítio do Pica-Pau Amarelo. No entanto, o escritor também produziu obras para o público adulto relacionados com as camadas mais pobres da sociedade. É o caso, por exemplo, do conto Negrinha, publicado em 1920, em que fica explícita a condenação do racismo e dos preconceitos ainda existentes no Brasil.

Negrinha

Autor Monteiro Lobato

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.

Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.

Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.

Ótima, a dona Inácia.

Mas não admitia choro de criança. (…) Assim cresceu Negrinha (…) Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. (…)

Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas. (…).

Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.

Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo.

Assim foi — e essa consciência a matou.

Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.

Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida.

Brincara ao sol, no jardim. Brincara!… Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.

Fonte: Contos Completos. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014.

Mais um Diálogo entre Obras

No início do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Brás Cubas conta como, antes da abolição da escravatura, ele maltratava os empregados de casa, incluindo um negro chamado Prudêncio – tratado como cavalinho pelo jovem patrão. Mais adiante, já adulto, Prudêncio reproduz as relações hierárquicas injustas entre senhor e escravo ao castigar fisicamente um homem negro.

 

Veja a parte I do artigo.

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